A história de Joy
Eu nunca havia tido um animal de estimação. Sempre morei em um apartamento, e meus pais diziam que ele era muito pequeno para ter um cachorro, pois um cãozinho precisaria de um espaço maior. Meu pai dizia:
– Mas você já tem um cachorro…. Você tem o Snoopy!
Snoopy é o meu bichinho de pelúcia, das HQs e do desenho animado de Peanuts. Eu sempre amei o Snoopy, e levava ele para todo lugar, desde as viagens até a escola. Para mim, o Snoopy era de verdade. Até uma certa idade…
Depois dos dez anos, eu queria ter um animal de estimação “de verdade”, e não só o Snoopy. Eu queria poder dar comida, cuidar, brincar com ele…
Aos onze anos, comecei a insistir mais para ter um pet. Mas a resposta do meu pai era sempre a mesma…. Então, comecei a contra argumentar:
– Mas o Snoopy não é “de verdade”!
E o meu pai:
– Shhh! Não fala tão alto! O Snoopy vai ouvir!
Eu repetia, mais alto:
– O SNOOPY NÃO É “DE VERDADE”!
– Cuidado! Vai magoar ele…
Então ele pegava o Snoopy e fazia carinho nele, dizendo:
– Ela está brincando…. Não se preocupa, Snoopy…
Depois de um tempo, eu desisti das desculpas do meu pai e mudei de tática:
– Mãe, podemos ter um pet?
E ela respondeu:
– Podemos pensar…
Eu sabia que cachorro meus pais não iriam deixar, só quando nos mudássemos para uma casa. Gato também não, coelho não… fui fazendo uma lista, até que…
– Já sei! Mãe, podemos ter um peixinho? Vive no aquário, é fácil de cuidar, não faz sujeira nem estraga móveis pela casa…
– Vamos ver.
Eu interpretei isso como um “sim”. Fui até o computador e fiquei horas lendo artigos na internet sobre peixes. No final, eu já conhecia um monte de espécies, os tipos de águas dos aquários, as diferentes rações…. Juntei tudo e coloquei em um Word. Depois, mostrei minha pesquisa completa para os meus pais. Mas ainda não foi dessa vez que consegui convencê-los.
Algumas semanas depois, a professora de Artes passou um trabalho avaliativo para os alunos. Nós teríamos que criar algum animal com papelão, mas utilizando somente formas geométricas. Tive uma ideia na mesma hora. Recortei vários retângulos e triângulos e montei um peixe. Depois, peguei uma caixa de papelão inteira e algumas sacolas plásticas. Montei um aquário e, com sacolas plásticas azuis, representei a água. Além disso, com o resto do papelão que havia sobrado do peixe, fiz umas decorações para o aquário e um potinho de ração com pedaços de papelão picados para representá-la. Por fim, com tudo pronto, colei tudo com durex e mostrei aos meus pais.
Isso amoleceu o coração da minha mãe…. Ela amou o meu trabalho. E, por fim, cedeu. Resolveu que iríamos comprar um peixe.
Em setembro, meu pai foi diagnosticado com linfoma (câncer que atinge os linfonodos), e ele começou a fazer quimioterapia. No dia treze de outubro, eu estava na sala pintando uns desenhos do Harry Potter que tinha achado na internet quando minha mãe falou que meu pai precisaria fazer uns exames antes da próxima quimioterapia. Então, enquanto ele fazia os exames, nós duas fomos passear no shopping que havia ali perto.
Quando entramos no shopping, vimos um pet shop. Eu perguntei:
– Mãe, podemos ver se tem algum peixinho à venda no pet shop?
Minha mãe concordou, e nós entramos na loja. Depois de perguntarmos, fomos até o fundo da loja, onde ficava a seção de aquarismo. Lá, um homem estava cuidando dos peixes. Era um espaço retangular, com vários aquários em volta e, dentro deles, havia peixes de todos os tamanhos. Em um lado, havia um lavabo e do outro, uma bancada com um aquário médio em cima.
Nós perguntamos ao homem sobre os peixes e, por fim, decidimos levar um betta splendens azul. Ele tinha uns cinco centímetros de comprimento, e nadava bem ativo para cá e para lá. O homem nos explicou como cuidar do betta, como trocar a água do aquário dele, entre outras coisas.
Enquanto explicava sobre como trocar a água do aquário, ele resolveu nos mostrar como se fazia. Então, colocou o aquário com o peixinho que tínhamos escolhido em cima da bancada para poder ficar com as mãos livres. Nessa hora, o peixe que estava no aquário médio de cima da bancada nadou até o vidro do aquário pertinho da gente, e o homem falou, olhando para a bancada:
– Essa é a Maria Linda.
E contou a história dela. Depois que pagamos, saímos da loja. No caminho, eu falei para a minha mãe:
– Temos que escolher um nome para ele.
Minha mãe falou:
– Mas ela já tem nome! É “Linda”!
– Acho que é macho, mãe – falei.
– Não, é fêmea!
Ela falou que o homem mesmo tinha dito. Eu disse que não, que ela que estava confundindo, que na verdade ele estava falando de outro peixe, e não do nosso. Como minha mãe continuou insistindo, mostrei a ela a nota fiscal, que dizia: “peixe betta macho”. Mesmo assim, ela continuou insistindo, dizendo que aquilo era um registro padrão. Por fim, acabamos deixando nosso peixinho com o nome de Linda mesmo, e assim continuou pelas duas semanas seguintes…
Duas semanas depois, a “Linda” começou a fazer bolhas no aquário e a acumulá-las nas bordas. Minha mãe ficou preocupada, e mandou uma mensagem para o homem. Ele explicou que aquele era um comportamento comum para os bettas machos, que faziam isso na época do acasalamento. E assim, acabamos descobrindo que, na verdade, tínhamos um betta macho…
No começo, foi difícil desacostumar de chamar nosso peixinho de Linda, mas, aos poucos, acostumamo-nos com a ideia de que ele era um peixe macho. Porém, ainda havia um problema para resolver…
– Precisamos de outro nome para ele – falei, certo dia.
Eu entrei na internet e comecei a pesquisar os nomes mais legais para bettas machos. Por fim, acabamos ficando com Liberty, Mozart, Joy e Blue. Porém, tivemos que viajar e, por isso, deixamos o peixinho com a minha tia. No carro, enquanto estávamos de viagem, resolvi decidir aquilo de uma vez por todas.
Falei os quatro nomes que tínhamos escolhido e fomos votando. Minha mãe descartou Liberty, pois era o nome da empresa de seguro dela, e eu descartei Blue, pois para mim era nome de pássaro, e não de peixe (eu me lembrava do filme Rio, da Disney, que a arara azul se chama Blue). Então, sobraram Mozart e Joy. Depois de pensarmos, acabamos concordando que Joy seria um ótimo nome, pois nosso peixinho era bem alegre, o que combinava com o nome (Joy, em inglês, significa alegria).
Quando voltamos de viagem, pegamos o Joy com a minha tia. Ele estava muito feliz e animado, e tinha se adaptado super bem à casa dela. Chegando em casa, resolvemos trocar a água e dar comida para ele. Foi aí que os problemas começaram. Ele comeu pouco, e não quis o resto da ração que demos. Achamos que tinha sido por causa do estresse da viagem até a nossa casa e da mudança de ambiente, então não demos atenção.
Porém, no outro dia, o Joy comeu menos ração ainda, quase nada. Começamos a ficar preocupados, pois, além disso, parecia que ele havia se esfregado na decoração à noite e estava sem algumas escamas. Fomos até o pet shop, porém o homem que cuidava da parte de aquarismo não estava lá, e só estaria no dia seguinte. Assim, Joy foi piorando e, no outro dia, não quis comer nada. À tarde, levamos ele no pet shop, e foi receitado um tratamento para ele.
A situação continuou ruim, então, no outro dia, levamos ele no pet shop novamente, e o homem o deixou em uma bateria de recuperação, que faria Joy se recuperar. Mas, infelizmente, a doença, que desconfiamos que fosse hidropsia, já estava grave demais, e, no dia seguinte, onze de novembro, o Joy acabou não resistindo e morreu.
Joy foi um grande companheiro e, apesar de estar bem mal nos últimos dias de sua vida, sempre ficava alegre quando nos via. Ele nos ensinou que, por mais que a situação esteja ruim, não podemos deixar que os sentimentos ruins nos dominem e temos que nos alegrar por somente estarmos vivos e com quem amamos.
Grazie Maahs
01/08/2022